INVISÍVEL

27.2.14



O tempo esteve a secar ao sol em Arcozelo faz em Agosto dois anos. Pendurou-se num arame à porta do espigueiro, fez uso das molas já que elas ali estavam sem roupa para vestir, o tempo deixou-se estar enquanto quis e ninguém deu por ele, mas que ele por ali passou, passou, e quando acabou de passar foi como se nunca ali tivesse estado.

JIMMY FALLON & ARCADE FIRE

23.2.14
Dois dos meus favoritos na arrepiante primeira semana do novo Tonight Show. E o melhor do mundo lá vai acontecendo em Nova Iorque. Por cá, há-de chegar ao fim um mês inútil, este Fevereiro de 2014.

NÓRDICO

20.2.14
































Esta fotografia da Islândia foi tirada em Vila Nova de Gaia num inverno que não este, mas um próximo, o anterior. Isto é onde Miramar acaba pelo norte e Francelos avança no mapa, é seguramente de umas sete da manhã de Março, daqui partiu correndo um solitário trabalhador por conta de outrem antes do horário onde as horas se transformam em dinheiro. Ele, um profissional dos salários do sul da Europa, quando corre ainda faz a coisa por menos. Põe os pés em serviço de voluntariado e arranca em direcção ao futuro. O futuro tanto demora trinta, como quarenta e cinco ou sessenta minutos. Mal o futuro acaba ele regressa a casa o vai ganhar o tal dinheiro que é pouco, mas que se fosse nenhum seria bem pior. Aí encontra a sua condição portuguesa.

PORTO DE ABRIGO

17.2.14
Aqui ficando menos oportunidades temos de chegar a algum lado na vida, mas, aqui ficando, temos a fortuna de ter o que mais ninguém tem e que é o ser de cá.
Dizem por aí ultimamente que somos o norte, mas somos muito mais do que a vontade dos outros e a vontade da bússola. Somos o coração sentado na língua, somos o que não dizem de nós, mas também somos o que dizem, somos toscos, imperfeitos, é verdade que somos o bico da pedra que temos na mão e que nos vai defender. E sim senhor, somos o terror da gramática quando a gramática se põe a olhar para nós de cima para baixo, cerimonial, a contar as autópsias que fazemos às palavras. Não podemos esconder, a não ser que nos cosam os lábios, o tabuísmo do nosso vocabulário, tão cheio de caralhos, mas tão cheio, que há muito deixou de ser pornofonia (se é que alguma vez foi) e é sal, porque para dizer qualquer coisa sem tempero o melhor é manter a mandíbula quieta, dietas de conversa, que não devem ser confundidas com silêncio, para elas teremos um dia muito tempo, quando a eternidade nos puser esticados em caixotes de madeira e aos caixotes a eternidade os puser entre chão e chão. Aí, que se foda, não há mais nada a fazer, mas antes disso não. Antes disso, continuemos a ser isto:

QUANTO MAIS O INVERNO ANDA, MENOS SAI DO SÍTIO

16.2.14








Uma grande vontade de o mandar para o Caribe, ao inverno, ou de o pôr a andar depressinha para o outono da América do Sul, de mandar o vento sambar descalço numa plantação de maconha, e a chuva que se ponha a cair numa bossa nova que aqui os camelos do costume já beberam céu para dez anos.
Da água já só queremos a sua fábrica de espelhos, para podermos ver melhor a primavera quando ela chegar. Até lá, fica um quadrado de mundo que a fotografia apanhou a caminhar sobre um ribeiro em 2013 e o pôs de pernas para o ar.

AMERICAN MUSIC

15.2.14
"Em Março de 2013, Chris Baio, baxista dos Vampire Weekend, ficou a saber que a sua bisavó materna era prima do tio-avô paterno do actor e realizador Steve Buscemi.
Ao saber desta notícia a banda decidiu convidar Steve Buscemi para dirigir (realizar) o concerto American Express UNSTAGED no Roseland Balroom do dia 28 de Abril de 2013."

O filme está no Youtube, em seis episódios. O primeiro é este:

PORTO PARÁGRAFO

13.2.14


Recuperando prosas a propósito da actualidade:

"E do outro lado, o Porto. O bilhete de identidade dos tripeiros como um quadro desenhado na margem, imponente, duro, verdadeiro e velho, uma obra de arte acidental, a cidade mais o seu povo, semeado naquele chão".

"Tantas situações pouco recomendáveis acontecem, graças a Deus, mesmo em frente à Ordem do Terço, na Travessa de Cimo de Vila. Entre elas, quatro cigarros acessos, duas línguas afiadas, quatro gargantas secas. Sai um jarro pintado de tinto. Parte-se um copo no brinde. Cai um quartilho nos paralelos, os pombos descem do telhado, mas logo se apontam outra vez ao céu, porque aquele sangue traz água no bico. "

"Avô e neto treparam cada qual no seu vagar os dois degraus de aço. Em breve o comboio interregional com destino a Aveiro partiria da linha número um da estação de S.bento, pouca terra, pouca terra, movendo-se de estacão em estação, de apeadeiro em apeadeiro. O comboio dá pontos com nó no chão de vila nova de Gaia, avô e neto deixam-se ir naquela máquina de costura , vão falantes, bem dispostos, comboio e carris são linha e agulha dessa cicatriz que se aproxima do mar à medida que o Sul acontece. Em meia hora avô e neto dão à costa no apeadeiro da Aguda. A praia contorna o quartel dos bombeiros e as paredes da capela.
Bem se vê que avô e neto não fazem férias há um tempito. O Jardel, o cão, perdeu-se com certeza nas balizas do tempo.
Vai um cigarrinho para puxar pela memória dos pescadores. Resulta. Dizem que o Jardel morreu para o futebol e que o diabo do canito sentiu o adeus como se fosse gente. Morreu de desgosto num par de meses."


*Extraído do livro Fumadores.

PRATO DO DIA - 1

13.2.14

O António de 1984 ia para a cama cedo procurar os melhores sonhos. Os melhores sonhos estavam onde estivesse uma bola de futebol e uma baliza. O António de 1984, para chegar aos melhores sonhos, fechava os olhos contra a almofada e fazia fintas, velhas, e inventava ouras, novos, e adiava, enquanto podia, o fim, e o fim vinha sempre, absolutamente perfeito, num espectacular e vaidoso pontapé de bicicleta. O António de 1984 via uma bancada no meio do nevoeiro e ouvia em fundo gritos de golos, gritos de golo, gritos de golo, e dormia. 
Quando fez 10 anos o António de 1984 recebeu um gravador Crown cinzento do tamanho de um tijolo e duas cassetes virgens de 90 minutos. Em 1984 aconteceu no mundo um disco chamado The Unforgettable Fire, que o António obviamente gravou e foi aí que conheceu caminhos para novos sonhos, na música, sonhos que um dia mais tarde o levariam à descoberta das raparigas enquanto sentido da vida. Por esses dias de 1984 a fita das cassetes lambeu o álbum do princípio ao fim como se não houvesse outro disco na Terra. Sobre Pride e Bad é melhor nem alongar a conversa.

E agora que passaram 30 anos, o António de 1984, deitado no sofá, recebe no telefone o derradeiro single dos U2, vê o vídeo, percebe que afinal ainda não está farto deles, e que ainda faz sentido haver, na música, uma mensagem por cima das guitarras e da percussão.
  

SÁBADO DE COURO

10.2.14
A vida de um plantel de veteranos é feita de pequenas rotinas e de grandes vontades. Em Serzedo, ao sábado, o jogo começa ao balcão do Parque de Jogos da Rainha, o nosso campo. Depois do almoço, tomamos o café em equipa, falamos da semana que passou, começamos a rir uns dos outros, que é um  excelente princípio do jogo colectivo. O futebol só se sobrepõe às amizades que se foram criando com o tempo quando o treinador anuncia o onze e dá a táctica. A seguir andamos naquilo durante noventa minutos, umas vezes melhor do que as outras, a jogar como se fosse a primeira vez, mas também a jogar como se fosse a última.

COMO OS LIVROS NOS CHEGAM ÀS MÃOS - 1

9.2.14
[PHILIP ROTH - A MANCHA HUMANA]

A mulher com o corpete vermelho passa os olhos azuis pelo rosto moreno de um homem, passa as mãos pela esbranquiçada capa de um livro, exibe o título e as unhas vermelhas, sorri, afasta o cabelo loiro, o homem e a mulher entrelaçam os braços, sobem o primeiro lanço de escadas dentro do hotel, procuram um elevador, encontram um quarto, ela é puta, ele não.
Belle é inglesa, tem um diário secreto, o diário secreto de uma call-girl, o corpo todo é uma máquina de fazer dinheiro, de fazer dinheiro como as mulheres fazem com o corpo, e as mãos até escrevem. Belle vive, conta, faz, diz, escreve, entra em casa, tira a puta do organismo, senta-se a ler um livro e quando está a ler chama-se Hanna, é uma rapariga em Londres, recém licenciada, tem um melhor amigo homem e nem ele sabe que o emprego numa multinacional é inventado e que a amiga responde por outro nome com a carteira aberta.
Billie Piper, cantora e actriz faz de Hanna e de Belle. Na cena que me prendeu, a loira de corpete vermelho entrega ao primeiro cliente da outra vida, com o qual mantém encontros esporádicos, antes de subirem para o quarto, e antes de ela desempenhar o papel de namoradinha com vontade, Belle entrega o livro que Hanna comprou e trouxe de casa dentro de uma mala preta: The Human Stain, de Phillip Roth.
Acabei de ver o episódio três da série um de Secret Diary of a Call Girl. Elaborei um roteiro secreto. Fiz catorze quilómetros de bicicleta em quarenta e tal minutos. Regressei a casa e tomei banho. Aqueci o jantar no micro-ondas, jantei e saí de casa. Tomei café na livraria, procurei o livro, mas A Mancha Humana estava esgotada. Deixei o meu número de telefone para avisarem da recepção do livro que ficou encomendado. Há-de chegar às minhas mãos como se estivesse a sair das mãos da Billie Piper *.


* o livro chegou e foi lido em 2009.
- Em baixo, cartaz da série Secret Diary of a Call Girl, emitida na ITV2, entre 2007 e 2011



UMA QUESTÃO DE TEMPO

8.2.14
Vinte passos mais adiante, o homem vinte anos mais velho já fez a curva, mas segue o seu caminho desviando os pés do pôr-do-sol. Nem todas as fotografias do Outono se contentam com o cair da folha, nem sempre Novembro foi cinzento como nem sempre há pincéis azuis para todos os céus de Junho.


Mitos Urbanos

8.2.14
No tempo dos eléctricos, fosse uma mulher a encaminhar a máquina, como é o caso deste, en train de partir, caía o Carmo e a Trindade. Algures em Março de 2013, data da fotografia, guiar já só dependia da habilidade das mãos e não da intimidade das ceroulas. A igreja do Carmo continua de pé. E a Trindade retesada se mantém. O mito vai no Batalha.



O MINUTO MAIS SEXY DE 2014 (UMA LONGA HISTÓRIA)

6.2.14
Não percam, por nada deste mundo, os cinquenta e quatro segundos do vídeo que mandei para o fim do texto. Podem já começar a rolar a fita e a ouvir a música. Vejam. No fim voltem aqui.
Ora cá estamos de novo. A rapariga, não sendo topo de gama do catálogo de beldades, consegue ser a alma mais sedutora do ano. Ela chama-se Tara Lipinski. É uma norte-americana de Filadélfia, tem 31 anos, foi campeã Olímpica em 1998. Sim, é patinadora. E que é que ela faz ali no gelo vestida de homem? Faz a vontade aos espectadores do Late Night With Jimmy Fallon. A vasta audiência pediu, a vasta audiência teve: Tara Lipinski a recrear a célebre cena do filme The Big Lebowski com a monumental trip do Jeff Bridges como The Dude e que está mesmo por baixo deste link.
A música. A música, contra todos os prognósticos, é do Kenny Rogers, do final dos anos de 1960, com a banda The First Edition. O videoclip está aqui e a versão ao vivo está aqui. A Wikipédia diz que o single Just Dropped In foi inicialmente gravado e rejeitado por Jerry Lee Lewis. A versão dele, a original, é esta e é pior.A música cresceu com o toque acid rock (quem diria) do Kenny Rogers e pretendia avisar para os perigos do LSD. Ninguém adivinhava que ficaria tão bem nos patins da Tara Lipinski.



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