Se podes ver, imagina

19.1.15
Esta fotografia do fundo do mar, tirada à hora das marés baixas, apanhou um cardume de espinhas. A água azul-agosto fora do mês. O dia a dar a volta ao sol. E mais nada, a não ser a vontade de mentir com bons modos.


URSO PANDA

18.1.15
Por fim o carro saiu da garagem, situada nas fundações do prédio,  e assim que se viu ao relento cumpriu as ordens habituais, velocidades, embraiagem, acelerador, e o caminho, como por norma acontece, aconteceu.
Em Valadares, seguindo para norte, o funil aperta, por causa de uma desastrada saída posta no lado esquerdo da via, e o trânsito cai todo para dentro do vidro, engarrafa. Hoje não foi dia para chegar ao Porto (fotogénico até em sentido proibido), mas também não foi um dia longe disso, porque o destino ficou a um rio de ir lá parar.
No regresso a casa, deixei entrar dois estádios de futebol na sala, Barreiros e Alvalade. Ganharam as duas metades de Lisboa, Benfica e Sporting, pela ordem de entrada em campo. Voltei a sentar no sofá "Os Factos", que são parte da vida de Philip Roth, na primeira pessoa, estive com ele na parte em que ele foi Joe College. Por fim deixei um disco, o último Panda Bear, a mexer comigo e eu a tentar saber mais dele, algo desconfiado e não convencido de todo, embora admirando e assinalando.



PANDA BEAR - Mr Noah

WILLIAM ONYEABOR

16.1.15
Não me deixei levar pelo nome, que me conduziu inicialmente aos anos oitenta e à primeira liga inglesa, ao Cristal Palace ou ao West Ham. Não, Onyeabor não fez sombra a Yeboah nem foi cortado pela raiz por um dos dois pés de cabra do Vinnie Jones, sorte a dele ter na sua melhor arte a música em vez do futebol.
A  Pitchfork explica tudo muito direitinho nesta ligação.  E o youtube até tem um filme. A história mete David Byrne, Damon Albarn, Hot Chip, The Rapture e LCD Soundsystem. Vale tanto a pena.


Fantastic Man - William Onyeabor

Intervalo

15.1.15
Aqui, tão longe de Lewisburg, um vale fértil, e tão longe de 1950, e mais perto de Eça de Queirós do que de Philip Roth, num intervalo da leitura de "Os Factos", e num escasso intervalo da chuva, atravessei a linha do comboio e fui ver a praia fora da sua estação.
Qualquer dia a Granja perde a bancada de pedra toda para o mar, como já perdeu a casa do escritor que ali havia e como tem vindo a perder areal. Não era assim há um punhado de décadas quando Roth, pendurado na permissão dos pais, foi com eles procurar uma universidade e a encontrou no continente do lado de lá.







COHEN

15.1.15
Será  melhor de fazer, o caminho, quanto melhor compreender o jogo de crianças que um homem de oitenta anos faz com o tempo que lhe resta e se predispõe a deixar ficar três horas para trás dentro de um disco, depois de ter subido a um palco, descido de um avião, sabendo eu que estou a falar de um homem difícil de esconder nas ruas por causa da voz que ele tem, depois de ter perdido o recato que idade aconselha, uma de duas coisas aconteceram, a urgência tardia de uma sala cheia ou saudades de dinheiro novo.
Um dia, quando eu for de mais perto do fim (como se daí não fosse todos os dias), hei-de perceber de outra maneira a necessidade que a voz tem de se fazer repetir, com as mesmas palavras solitárias e alguns acordes em noite de estreia.
E todos nós, que vivemos nesta linha absurda. Nesta, na próxima: queremos viver muito tempo, mas não queremos envelhecer.  Eu quero. Quero envelhecer muito. E andar neste palco, na vida, como as violas andam e os pianos dizem. Os dados estão lançados.


2014 É UM HOMEM MORTO

15.1.15
A este disco já o apanhei na fronteira do ano, ainda assim ouvi e ouvi a tempo de ele, para mim, ser do ano que é, e ser, para mim, o melhor disco de 2014, o tributo Red Hot a Arthur Russel.
Arthur Russel, quando morreu, em Nova Iorque, em 1992, tinha a idade que eu tenho, quarenta anos, e eu, nem que passe pela sorte de viver outros quarenta vou conseguir descobrir como é que um homem em tão poucos anos de mundo pode criar tanto e fazer o que ele fez durante o tempo em que andou do violoncelo para a bateria e dos teclados para a guitarra. Morreu na penúria.

Tem dias, como o de hoje, em que moro em Master Mix: Red Hot + Arthur Russel. A vizinhança é porreira. Sufjan Stevens, Hop Chip, Phosphorescent, Devendra, Blood Orange e até o Sam Amidon, pegaram na roupa do morto, a sua música, e vestiram tudo, como se cada peça fosse do novo corpo.
Lá em baixo, acabando as duas fotografias, está um exemplo, não é o melhor exemplo, mas é um bom exemplo.






BIOGRAFIAS

14.1.15
Quanto ao livro, o Philip Roth ainda não entrou para a universidade, nos últimos dois dias não pude dar muito andamento à vida dele, só mesmo uma espreitada antes de dormir, porque isto é como diz o meu filho aos 18 meses: é a vida.
Por falar em biografias, neste caso o livro "Os Factos"... uma outra tem andado comigo na algibeira,  uma biografia de bolso. "The Cautionary Tales of Mark Oliver Everett" vem com o homem lá dentro, a luta dele, os erros, as dificuldades, as confissões. Um disco com um homem lá dentro e com o que homem tem dentro dele.
Aí por baixo da cabeça do homem deixo o exemplo de como uma má experiência de vida entra na viola e saí de lá como nova, música boa.
Antes de ir embora deste post, e sendo ele de biografias, duas linhas para a minha. Hoje conduzi à chuva, caminhei à chuva, pensei à chuva e não sonhei com um lugar sol.




THE CAUTIONARY TALES OF MARK OLIVER EVERETT - album trailer from EELS on Vimeo.

A CASA

12.1.15
Do pequeno lanço de escadas, sentado no último de oito degraus, no mais alto, vejo o sol a navegar a tarde sobre uma vontade mar, lá ao fundo. É a porta do meu prédio. É o meu novo melhor lugar do mundo. Tenho lá ido com um livro, um café, um leitor de música (que por acaso existe no meu telefone) e as chaves do meu rés-do-chão.

Não sei se a música consegue acalmar o mundo. A mim consegue. descobri há dias, pouco depois de ter descoberto o poder curativo da minha escadaria, o disco Asleep Versions, do Jon Hopkins.



Chega a ser curiosa esta capa, com o seu fim  de dia igual ao meu, vermelho ao mar, e o homem branco a levitar, como eu, quando me sento em frente em frente ao sul e ao ocidente, eu, um livro, um cigarro, um café e mais ninguém, com a minha transfusão de música, que a faço a partir dos ouvidos, e a sinto nas veias, respiro melhor, escuto melhor, vejo melhor, observo, e deixo-me estar, até ao fim do café e mais além.

Não sei se os livros conseguem acalmar o mundo. A mim conseguem. Tenho "Os Factos" na mão. Estou a conhecer os pais do Philip Roth e o tio Bernie, estou na alvorada do livro, estou a percorrer a judiaria onde ele cresceu. E estou por aqui a manter um diário que não vai ter os dias todos, a contraria uma aversão antiga que é o desgosto de escrever na primeira pessoa do singular.

Todas as mulheres nuas do mundo

9.1.15
Cruzei-me duas vezes em 2014 com Nicholas Cave. Em Barcelona e no Porto. Nas duas ocasiões, ele, no seu impecável fato preto de cabaré, ele, nos seus sapatos de patife ( como diria o Artur Carvalho, e expressão do meu agrado), ele, mandou no palco e na multidão, em festivais com primavera e som.

Há uma mulher na capa do disco Push the Sky Away, de 2013. Uma mulher nua e o Nicholas. Ele e o seu impecável ar de põe-te no caralho, já. Ela e o corpo dela a caminho da luz. E no disco, no disco há músicas que merecem todas as mulheres nuas do mundo.


o animal muda o homem

9.1.15
Confirma-se. Aos 40 anos, a vida está a dar a volta. Dei com a primeira mudança radical à mesa, em Agosto, já um casamento ia adiantado: pela primeira vez na vida comi leitão e gostei. E eu, que detestava o porquinho, que o detestei durante 40 anos e mais uns dias, ou mais uns meses, não só comecei a gostar nessa noite com fiz questão de continuar a gostar no almoço do dia seguinte. E do que me lembro, gostei mais três ou quatro pratos daquilo durante o bufett.

A outra reviravolta que me aconteceu foi na música. pela primeira vez na vida gostei de um disco do Neil Young. E gostei tanto que não gostei apenas de um, gostei de dois: Storytone e Mixed Pages of Storytone. Um com e outro sem orquestra. As mesmas músicas. E duas belíssimos capas.

Este animal está a mudar. Os sentidos.





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