O diário d´O Pintassilgo #4

30.3.15
A tradução volta e meia perde-se do livro, infelizmente. Lá voltarei às páginas mais perto da meia-noite.
A vida... quanto à vida esta foi uma segunda-feira gorda.
Um dia de folga muito bem calçado, que me assentou como uma luva. Levou bacalhau com broa, amigos, vinho branco, os 41 anos do Nuninho, teve uma sesta, filho, sogros, pais e ginásio.
E só o ginásio dava para um dia inteiro: espantei-me com a existência de boxers da marca Glhan Klaim e há homens que passam a gilete nas pernas no chuveiro, fiquei a saber.
Vai terminar o dia com Sufjan Stevens. O disco Carrie & Lowell já está no Spotify. Meti a música Fourth of July debaixo da fotografia. E agora vou tratar do Pintassilgo.



A muito bem arranjada (e barata) aplicação Babelia

29.3.15
Há cafés mais caros. O suplemento cultural do El País chega ao leitor - e julgo que a partir de agora em qualquer parte do mundo - pela via digital, sob a forma de aplicação, por 99 cêntimos. O conteúdo dispensa encómios. A forma é muito, mas mesmo muito, boa de ler.
Para primeira compra escolhi esta edição de 10 de Janeiro de 2015. Acontece neste número uma muy interessante entrevista ao Eduardo Mendoza, muito a propósito do primeiro livro dele, La verdade sobre el caso Savolta. Mais uma vez se confirma que no início de escritor está o sofrimento. Ele vem quase sempre daí.  Escolhi a capa do Mendoza por gostar do que ele me escreve e por nunca mais me esquecer de como li A Cidade dos Prodígios em quatro proveitosos voos entre Portugal e a Ucrânia.

Nesta edição o livro da semana é um livro "perdido" (e póstumo) de Antonio Tabucchi, Para Isabel.  Começa em Lisboa, no Tavares. Babelia tem isto tudo e tem muito mais por onde ir. Boas leituras.



O diário d´O Pintassilgo #3

28.3.15
Estes primeiros dias do romance da menina Tartt avançam e ele continua a ser a caldeira que a locomotiva do leitor exige. Ontem vi uma bicicleta amarela a desafiar as janelas do primeiro andar de um prédio e a passar por elas como se fosse normal uma bicicleta sonhar com o impossível.
Nada de mais, para quem, como eu, tem um Pintassilgo a servir de âncora dos dias. O livros até podem ir, mas se virmos bem as coisas, não vão, ao fundo. Interessantes tábuas de salvação.

 

O diário d´O Pintassilgo #2

28.3.15
Eu e a pessoa que manda em mim, a minha cabeça, estivemos esta tarde no Porto.
Para dizer a verdade estive lá mais eu do que ela. Ela anda a pensar em mudar de vida e eu não sei o que lhe diga. Ela é que manda. Mas adiante. Bebemos um belo café de saco num camarim da Casa da Música, comemos bolachas cor de trigo, falámos do tempo, da música, da Casa, e até fizemos metáforas com futebol à mistura.
Enquanto isto, no livro, há todas as partículas de pó no ar. Para já o livro está a saber tão bem como a primeira mijadela de um novo dia. Era bonito que ele continuasse a ser algo mais do que esse tesão matinal.


O diário d´O Pintassilgo #1

26.3.15
O que tiver de ser resolvido ficará para dia de coragem superior.
Entretanto entretenho o tempo livre com livros.
Ando azarado aos livros. Já encostei um Bolaño (Noturno Chileno) e um M.Tavares (Uma menina está perdida no seu século à procura do pai). Nunca tinha feito uma coisa nem outra. Ou ando muito exigente, ou muito impaciente. Ou então o problema é deles, que já os li em melhor forma.

Começo agora a medir outras 893 páginas. Um livro "sobre amor e perda, sobrevivência e capacidade de nos reinventarmos". Nem de propósito encontro O Pintassilgo, de Donna Tartt. Para memória futura, registo que hoje vi a Praça do Marquês de Pombal, no Porto, de um primeiro andar e a praça, pela primeira vez, não me pareceu uma casa de putas, uma churrasqueira ou um cemitério. Até vi uma igreja ao fundo.


Por agora eu sou inverno

25.3.15
Gosto tanto do próximo do próximo livro que não o consigo terminar. Não estou preparado para acabar com ele. Não quero sair desta incapacidade de o fazer. Evito pegar nele. Invento motivos. Vejo documentários de bandas dos anos oitenta. Levanto-me, vou à cozinha. Encontro sempre que fazer no computador, que não o caminho da pasta onde já morreram uns quantos capítulos e onde, mais dia menos dia, morrerá o resto da história.

"Ao homem que lhe pergunta pela escrita ela responde sempre com o futuro, porque só no futuro as suas palavras estão a salvo, ainda não aconteceram", in Appelbaum.

Por agora sou como o piano do Ólafur Arnalds. Por agora eu sou inverno.


FIM DE ESTAÇÃO

25.3.15
O mar espirrou algumas vezes no domingo em Vila Nova de Gaia, mesmo antes de o inverno ir embora deste ano, e deste lugar, mas o termómetro continuou agarrado ao frio com as duas mãos, feito doido. O frio deixou cair dois ou três graus à noite e o termómetro, totalmente ensandecido, entardeceu enregelado.


Desassossego

22.3.15
Fala mundo ridículo, conta lá do pénalti do Benfica e do fora-de-jogo do Porto, sim, e do falhanço do Sporting, isso, vê mil vezes na tela, outra vez, empala o árbitro, de novo, isso, e repete o político que diz que disse. Isso, não queiras saber do cimo da terra, nem do fundo mar. Ou da beleza das gaivotas...

que te importa a ti se um cão enfia o focinho na areia ou se os barcos estão orfãos na maré. Se há prata na luz no sol ou se as ondas querem a tanto a praia como um pai quer um filho e o deita, à tardinha, de costas para o céu...


mas nem tudo é cinzento, nem tudo é bola, nem tudo é a superfície do couro. Há desertos para a atravessar, está a chegar o seu tempo, e tudo a seu tempo, a seu tempo. Em barcos sem vela, à boleia do vento...








os arredores do cu, Neruda, cânhamo e outras coisas

21.3.15
Já depois do jantar, se Urrutia Lacroix esteve ou não a ponto de ser sodomizado, jamais se saberá porque no jardim, à noite, quando as mãos do anfitrião se lhe chegavam ao traseiro, apareceu o convidado de honra. Quem? Nada mais nada menos do que Pablo Neruda, com os seus poemas escritos na língua, prontos para o entardecer ou para qualquer outro quinhão do dia.

Estavam as coisas neste ponto, quando, ao jantar, um jantar diligente, composto por esparguete preto e marisco escarlate, fechei o meu livro do Roberto Bolaño, comi os morangos da sobremesa, mandei-me para o Marco de Canaveses em  serviço de agenda política, um Portugal sentado.

Num outro livro, no melhor livro do mundo, no dicionário, dei com o significado de canaveses, que são plantações de cânhamo. E quis, quis mesmo muito que esta sexta-feira à noite fosse sábado de manhã, mas ela não foi.
A música que não pude ouvir, meto agora por baixo da fotografia.


Lugares

19.3.15
Tenho andado no Chile a morder os calcanhares ao Padre Urrutia Lacroix durante as horas livres, que são muito poucas, e o Chile fica muito longe daqui, mesmo enquanto país que vem dentro de um livro. Quem escreveu o livro foi o escritor responsável pela minha deriva para a página, Roberto Bolaño.

E tenho andado por aí à procura de uma bola de futebol na Catalunha (que é um belíssimo lugar para tantas coisas, bola de futebol incluída). Há uma revista com nome de chuto desmedroso, Panenka. Gosto dela e gosto dos seus escritores de futebol. Aprendi que antes de ter chegado ao Brasil, o futebol foi primeiro a 28 países.  Não precisei de aprender mais nada o dia todo. Mas aprendi. O Alberto mandou vir uma música do Alexander Ebert para cima da mesa. Bendita hora.

Une chanson française

14.3.15
Noite dentro, manda o céu para o caralho.
Estivera a tarde inteira a pintar os dentes com vinho americano, uma poça do sangue de Cristo, diria o padre, se fosse o padre a dividir o garrafão pelo copo. Mandara então o céu para o caralho, enchera a boca com o inferno. Era o seu jeito de ganhar coragem. E ganhava? Não. Não ganhava. A seguir cambaleava, caía, adormecia na valeta. Só nos sonhos chegava à porta da rapariga do décimo andar, Celeste. Chegava, entrava, entrava, saía e saía. No sonhos.

No dia seguinte tinha o cu lavado pela chuva. Levantava a ressaca do chão, comia o pão da padaria Molete. O padeiro contava a história do General Moulet, a ordem para fazer pães mais pequenos para melhor distribuir o pão pelo exército, no Porto, durante as invasões francesas. Depois ia dormir. Acordava, bebia e começava a mandar o céu para o caralho outra vez.

AddThis