Fumadores (3)

27.9.12
Putas e vinho verde  



Letal para os telhados e as paredes, o ser vivo com cigarro aceso só está legalmente autorizado a existir fora de portas.

Esta manhã, ao balcão da cafetaria, um antigo violador de mulheres, cumpridos os três anos da pena de prisão, pediu um bagaço, engoliu e bebeu mais cinco de enfiada, disposto que estava a fazer um brinde por cada agressão sexual. O Quim pedófilo, assim apodado pelo povo, mas sem haver efectivas provas de que, entrou a meio do segundo e foi com o outro até ao fim, porque homem que é homem não deixa outro homem a beber sozinho. A festanga, para além de atrair a atenção geral, despertou o bandido que há no Julito ladrão. Julito, que nunca foi apanhado a roubar, voltou a não o ser e limpou a caixa.

Como é habitual, às sete da manhã em ponto, o senhor deputado, acompanhado por duas putas, pediu meias de leite e croissants. Gostava de ir ali porque ali sentia-se em casa, isto é: não pagava. O dono esquecia a despesa porque nunca se sabe, ter a amizade de um homem do Estado, em Portugal tem mais valor do que o ouro. Uma das putas andava amantizada com o padre, que chegava todos os dias atrasado dez minutos, com um rigor bíblico na demora para não dar nas vistas. O segredo partilhado por deputado e padre era trave mestra no progresso do distrito e os dois punham-se em bicos de pés em congressos, campanhas e altares, reclamando-se referências morais e autárquicas. Às putas apresentaram-nas da primeira vez como secretária e arquitecta, calhando por acaso a profissão a cada uma deles. Boas almas, todos juntos, à pé tão cedo, a esgravatarem pelo bem comum. Ninguém precisava de saber que tinham estado alternadamente a foder em casa do abade.

O Manel cornudo, que não tinha voltado a ser o mesmo desde que enfiara três balázios no bucho da mulher, foi à cadeia e veio no espaço de quatro anitos por bom comportamento. Ficava quieto e calado, de copo na mão de manhã à noite e vice-versa. Diziam por ali até os populares que o modo calmão do homem se devia às saudades que tinha da defunta.

Estavam assim as coisas quando um anónimo entrou e pediu e um café. Pagou, recebeu o troco, despejou o pacotinho de açúcar e acendeu um cigarro que se preparou para fumar a meias com o café. Armou-se um alvoroço. Quiseram linchar o desgraçado e alguém mandou chamar a polícia. Os agentes, por acaso das amizades do deputado por questões de segurança pessoal do autarca, só deram ouvidos ao senhor doutor. O fumador, marcado no rosto por meia dúzia de sopapos, foi mandado embora a cuspir dentes e sangue com uma multa de cento e vinte euros no bolso.

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