Regra número um da fotografia de rua: o silêncio.
Uma locomotiva entrou aos berros na estação de Lipstadt. Imagens com ruído provocavam dores de cabeça em Appelbaum. A locomotiva podia parar, encher a barriga de passageiros, e seguir o seu caminho, podia tudo, menos entrar no álbum de Applebaum, o álbum não queria fotografias que pudessem perturbar o sossego das imagens mudas.
O telefone procurou a realidade mais quieta da manhã. Procurou pouco. Aos pés dos habitantes de Lipstadt um vagabundo dormia com o corpo estendido entre papelão e mantas esburacadas. O sono quando tem de ser, é, não precisa de lugares carinhosos para fechar os olhos. Appelbaum fez pontaria ao chão do vagabundo e em troca o telefone deu-lhe uma fotografia adormecida à beira do meio-dia. Chovia.
Ao contrário do dinheiro, a água pode cair do céu. Teso, o vagabundo acordou molhado. Viu o rosto curioso de Appelbaum com nuvens à volta do cabelo. O vagabundo puxou a manta, tapou a cabeça, deixou os pés de fora. Tinha pés carecas, iguais aos pneus de muita estrada.
Podiam vir a ser amigos, se ambos estivessem dispostos a falar. Mais difícil é chegar à amizade sem palavras. Appelbaum sabe e não abre a boca.
Em alemão Lipstadt significa cidade dos lábios. Estes dois homens entre o espaço de um fotografia percebem melhor a vida com a boca fechada.