O empate é o pior resultado do mundo

25.6.14

Romário passa a vida dizendo que Pelé calado é um poeta. Romário calado também é um poeta, excepto quando abre a boca para dizer que Pelé calado é um poeta.
Sorte a do Brasil que golo não se mete com poema, mas com a cauda do poema, que mora junto de meias e caneleiras, nas pernas dos jogadores de futebol. Aí o Brasil é o verso que dá certo. Rima com fartura, é pontapé de bicicleta, gol de letra, estádio cheio de texto bonito, o Brasil que escreve a sua história com os pés.
Morreu está fazendo trinta e quatro anos o Pelé das palavras do Brasil. Nelson Rodrigues, camisa dez da crónica e das ideias do jogo. Nelson foi o jornalista que começou a escrever sem salário, o que não é legal (legal de legal no Brasil e legal de legal em Portugal), mas deu certo, mas que não deve fazer escola, excepto na metáfora.
Transpondo a ideia e clarificando o propósito: Portugal nessa copa é jornalista sem salário, a conta bancária está no zero. Portugal pode continuar no zero ou pode arregaçar a manga e correr a tempo de emendar o parágrafo e rescrever a história, que nesse ponto tem tudo para dar errado, mas que com a palavra certa no sítio certo, a vírgula a marcar o ritmo de jogo, pode começar por ganhar detalhe a detalhe, linha após linha, e quando der por ele, Portugal pode já estar no epílogo mais feliz do mundo.
E como faz isso? Faz como disse o Nelson Rodrigues. Assume esse ponto de partida: “o empate é o pior resultado do mundo”. Faz assumindo essa ideia e tomando a seguinte como segundo passo: “O torcedor sente-se roubado no dinheiro da entrada e inclinado a chamar os 22 jogadores, o juiz e os bandeirinhas de vigaristas. Acresce o seguinte: — de todos os empates o mais exasperante é o de 0 x 0. Essa virgindade desagradável e irredutível do escore já humilhava o público e, ao mesmo tempo, o enfurecia”.
Nelson escreveu tudo isso no conto “O craque sem idade”, do livro “À sombra das chuteiras imortais”. Assumindo assim o jogo, Portugal nem tem de ir ao conto seguinte, com esse maravilhoso título: “A conveniência de ser cobarde”. Porque aí, mesmo perdendo, se todo o mundo vir que a equipa quis ser equipa ganhando, não há problema não. A derrota será bem mais honesta do que um empate com medo de perder. Aí não tem cobardia que se ponha a olhar a linha de um título, a segunda linha mais bela do mundo, a seguir à linha de gol.

Sem comentários:

Enviar um comentário

AddThis