AS PERNAS ANDAM A CONTAR COISAS

20.12.13

Hoje os pés levantaram-se descalços pelas nove horas. No outono a madeira é mais fria, mesmo a madeira morta e cortada às postas, aos pés da cama, no cemitério de árvores, o chão da minha casa. Os pés tiveram, pois, frio. E os pés em greve são um grande transtorno para o corpo, pelo que o conselho de administração do corpo, presidido pela cabeça, logo mandou os braços à gaveta das meias buscar meias e à sapateira buscar botas, porque os olhos tinham espreitado pela janela. Lá fora, chovia. Com os pés calçados, as pernas perceberam a mensagem. Começaram a andar do quarto para um lado, do quarto para o outro, até que saíram pela porta da entrada, apanharam o elevador, os braços escolheram o piso da garagem, as pernas desceram ao alto, a porta do elevador abriu sozinha, as pernas saíram, levaram o homem com elas, sentaram o homem no carro e homem conduziu o carro para o emprego. 
Uma vez que a boca pouco se lembrou de comer em casa, estava o homem no emprego quando as pernas tiveram de fazer horas extra, encaminhadas pelos pés até um café de toldos vermelhas e esplanada recolhida. Convém lembrar que chovia, por isso os pés calçaram botas e meias grossas. O homem comeu um panado em pão, bebeu uma coca-cola, pensou que os sabores não chegam às pernas, muitos menos aos pés.  Não obstante, e lamentando o azar dos membros, o homem comeu e bebeu tudo sem remorsos. Para rematar a fome, pediu um café. Fumou um cigarro de novo em cima das pernas, por sua vez em cima dos pés, esquerdo, direito, esquerdo, direito, esquerdo, direito, e por  aí fora, sobre pedras siamesas. 

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