Viemos para o Algarve há uma semana

4.9.19
e esta tarde voltei a descer os degraus cimentados na arriba, por uma viela murada entre terrenos privados e as suas casas de veraneio, até à praia Maria Luísa, muito se parece a descida com as minhas (cada vez mais vivas) reminiscências do anos 80, mas como é óbvio a realidade não mudou a pique de sítio, como a paisagem parada no tempo sugere, continuamos, sulcando evidências, a espraiar o dia 27 de agosto de 2019, sosseguem. O cimento tosco, porém duradouro, em absoluto contraste com os sempre bem-penteados pinheiros mansos ou os tranquilos jardins de verão;seja a escadaria cimentada à pressa de serventia à praia ou as paredes primitivas que ainda se faziam por cá não vai assim há tanto tempo. 
 A temperatura da água subiu nos últimos dias. Hoje uma alforreca morta foi notícia de metro quadrado no metro quadrado do sítio onde fizemos praia, na Rocha Baixinha. Com a água pela cintura, delgada e atlética, uma nadadora-salvadora, com o seu fato de banho cor de laranja rematado a amarelo nas extremidades, a sua pela bronzeada, o cabelo à brisa e um saco de plástico castanho de duas asas (perfurado para o efeito), abrindo-as, apanhou uma razoável quantidade de água do mar, bem como o cadáver de alforreca detectado anteriormente por banhistas vivos enquanto boiava morta no caldo Atlântico do sotavento a escassos metros da costa, em zona de pé, utilizando linguagem popular e assertiva para o efeito. Isso foi durante a manhã, durante a nossa paciente espera pela descida da maré e (causa e efeito) subida da praia em termos de comprimento, com os guarda-sóis já agrafados ao chão, mas com as toalhas de sobreaviso em porto mais ou menos seguro, pousadas em circunstâncias ligeiramente elevadas, do género sacos de praia, cadeiras de leitura, não fosse um dos últimos avanços de preia-mar ter ficado para mais tarde, como de resto veio a suceder uma vez, outra e mais outra, não sei quantas vezes durante a aproximação dos ponteiros do relógio à parte de tarde. Dezenas de curiosos rodearam o saco de plástico castanho, a nadadora e a alforreca, fora de água. A roda desfez-se em poucos minutos, a curiosidade voltou à toalha, ao mar, ao jogo de raquetes, à bola de Berlim (que por aqui aqui se chama ComCreme), ao castelo de areia, ao Jornal de Notícias, ao livro e ao livro, partilhando a informação com os vários graus de parentesco de cada um, diluindo-se no tempo em menos de meia hora, ao almoço era como se não tivesse acontecido até, e continuaria a sê-lo se não estivesse para aqui a sacudir a areia das pernas (e do dia)antes entrar em casa. Porta fechada.

Domingo. O elemento mais perceptível

4.9.19
é o vento. Trespassa a música, mas contorna a árvore, uma árvore de tangerinas, em pousio nesta altura do ano. Tocava há duas linhas a música 8 Circle, do grupo Bon Iver, uma exportação do Canadá. No sopé da árvore temos uma mesa e duas cadeiras feitas de ferro e madeira. Entretanto começou a cantar o Nick Drake. O Spotify diz-me que a música que se chama Northern Sky. Ela também se entende muito bem com o vento. Entrou agora o Sufjan Stevens na rajada, com Visions of Gideon. Aprecio esta distribuição aleatória  de músicas no mesmo país genético. Algumas aves dançam no céu, que a esta hora apenas consegue vestir um pano de fundo cinzento. O vento empurra o frio de alguma parte distante, torna a manga curta muito curta. Começo a pensar em casacos.

O que fica da cadência contemplativa, ainda, é o chilrear disperso de diferentes tipos de ave. A relva tem crescido bastante nos últimos dias.

Às vezes os peixes

4.9.19
não sabem que estão a nadar. Por falar nisso, já comia uma peravilhosa peça de fruta, de preferência acubada de pintar, em vez de maçãcrar a rotina, de maçãcrar a rotina com repetições, repetições. Com repetições. Às vezes os peixes não sabem que estão a nadar. Por falar nisso, o texto publicitário é um animal diferente, contou-mo uma muitobemescrita página, filha de um muitobemescrito livro, muitobemescrito a bordo de um cruzeiro 7NC, seven and sea, livro agorapousado a bordo do sofá muitobemcarpinteirado da sala, e não pergunto às legendas de uma série de televisão o que elas querem dizer quando dizem às vezes os peixes não sabem que nadar, nem me esqueço dos navios atracados no livro, tão brancos e limpos que pareciam ter sido fervidos. Uma vez uma linha do Foster Wallace e um quadro do Picasso foram a um concerto do James Blake.



Absolutamente nada (1)

4.9.19

Por causa de uma guitarra azul, o escritor irlandês John Banville concedeu uma entrevista à New Yorker. O resultado da conversa foi publicado a 18 de setembro de 2015. Faz parte das afinações editoriais e do mundo dos negócios.
Gosto de caçar ideias sem desperdiçar uma bala, como foi o caso desta leitura oblíqua pelas duas horas da manhã, deitado de costas no planeta, como faço sempre antes de dormir. Aí a minha vida dá uma volta de 180 graus. Bem, mas Banville, natural de Wexford, 72 anos, diz a propósito do protagonista do livro que o acalmou em jeito de gentileza para com o palato do leitor.
Diz também que a idade não traz sabedoria, mas confusão. Foi aqui que guardei a bala no bolso, mestrado em confusão como sou. E pronto, foi isto. E um bocadinho de fisioterapia à minha prosa, que foi operada ao pé esquerdo  e não tem saído muito de casa.

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